O PESO EM SABER DE MAIS — THE CONVERSATION
Por: Carlos Anselmi
“A Conversação” (The Conversation, 1974) de Francis Ford Coppola se inicia com um zoom-in em direção a um casal que passei enquanto conversa, a técnica que apresenta o exato oposto da utilizada em “O Poderoso Chefão” (The Godfather, 1972) nos aproxima do casal e deixa claro por meio da imagem que estamos — junto com o protagonista — espionando alguém.
Ainda que muito aclamado, o filme não recebe tanto destaque quanto outras obras do diretor, talvez por ter sido lançado no mesmo ano de outra grandiosa obra prima de Coppola, “O Poderoso Chefão — Parte II”. Porém, não com foco na obra completa, exclusivamente hoje, quero pontuar a cena final do filme, e para isso, precisamos apresentar o personagem principal.
Harry Caul (Gene Hackman) é um especialista em escutas contratado para seguir e gravar as conversas de um casal. Acontece que, ao ouvir a fita, o homem desconfia da pessoa que encomendou seu trabalho, o colocando em situações de tensão e desconfiança. A cena final pode trazer uma reflexão a respeito do próprio conceito da especialidade do homem. E antes de trazer este pensamento principal, gostaria de abordar o conceito por meio de uma tirinha da Turma da Mônica.
Além do humor claro da tirinha, e da crítica feita a pessoas que ofendem os outros sem antes olhar para si, é possível analisar por um outro lado. Cebolinha não só a “critica” por não olhar para si e não reconhecer nele características similares, mas, porque ele não sabe como é.
Não ter a consciência dos parâmetros claros que utilizaria para definir a diferença entre peso e altura é o que faz com que o menino sinta a liberdade irresponsável de julgar, sem imaginar que o julgamento também pode voltar para si na mesma proporção. Não que Cebolinha não o faria caso soubesse, não há racionalidade no bullyng, mas proponho olhar por esta perspectiva justamente para fazer o contraponto com a obra de Coppola.
Em “A Conversação”, após todo o desenvolvimento do filme e depois de desvendar o mistério, Harry recebe uma ligação que diz “We’ll be listening to you”, em português, “nós estaremos te ouvindo”. Esta simples afirmação é o suficiente para o abalar de um modo que não aconteceria com alguém menos exigente. Durante o filme, fica claro que Harry é o melhor do ramo, e este é o “problema”.
Ao imaginar que pode estar sendo ouvido, na cena final, o homem desmonta todo o seu apartamento, destrói móveis, desmonta aparelhos eletrônicos, arruína portas, janelas e paredes. Mas por que?
Certamente, se a mesma afirmação fosse dita a alguém que não tem o mesmo conhecimento que Harry, apenas uma pequena vasculhada no ambiente seria o suficiente para diminuir a preocupação, mas, o especialista sabe de mais, e aqui está o maior “problema”. Harry conhece todos os parâmetros utilizados para invadir a casa, vida e particularidade de alguém, e sabe como ninguém. É apenas a partir daí que, ao ver a possibilidade de estar sendo observado, usa tudo o que sabe para se proteger de algo que outras pessoas provavelmente não seriam capazes de executar.
Ao contrário de Cebolinha (sim, eu fiz essa comparação), Harry entende todos os parâmetros, métodos e técnicas, e se o personagem dos quadrinhos não podia prever a reviravolta de Mônica, Harry prevê todos os cenários exageradamente, imaginando o pior que poderia acontecer.
Enquanto não saber nada é um problema, saber de mais gera a ansiedade e o perfeccionismo de esperar que a reviravolta viria no mesmo nível que Harry sabe que é possível. Como espectadores, nunca somos informados se realmente há uma escuta, mas é possível imaginar que não.
Após destruir toda a sua vasa, Harry toca o saxofone aliviado, sendo este, o único objeto que não foi destruído. Para alcançar a tranquilidade de alguém que executa o trabalho com perfeição, ao se imaginar no sentido oposto, é apenas na destruição total que há a segurança de eliminar qualquer risco.
Às vezes é preciso deixar o perfeccionismo de lado, tentar minimizar os pensamentos, por mais difícil que seja, e tentar compreender que os males que vem de fora muitas vezes só existem por desconhecimento de alguém, ou cobrança exagerada de nós mesmos. Vale a pena saber e cobrar tanto assim?