(MAIS DE) UM FILME PARA HOJE — Parte II

Argos Crítica
12 min readSep 20, 2021

Por: Texto colaborativo

Como prometido anteriormente, estamos de volta para a segunda parte do texto colaborativo. Novamente, com a razão de trazer uma diversidade de olhares, vivências e obras, chamamos pessoas diferentes para indicar um filme para você, e falar um pouquinho sobre o escolhido.

E é neste sentimento que nós, da Argos Crítica, reafirmamos: esperamos que este pequeno gesto de abrir nosso espaço, nos possibilite trazer visões amplas de maneira horizontal, como a arte deve ser. E lutamos para que seja assim cada vez mais.

Aqui, novamente, cada pessoa em sua particularidade nos indica um filme e a individualidade de cada um é o que dá o motivo para cada escolha, logo, você que lê, pode se identificar mais ou menos com alguém, descobrir filmes novos para ver, ou perceber uma razão diferente que fez alguém gostar de um filme que te atingiu de outra maneira quando assistiu. Fazendo então, com que cada parágrafo seja uma experiência diferente, assim como o ato de assistir aos filmes.

E antes de começar, gostaria de agradecer a cada um que disponibilizou uma parte do seu tempo para nos ajudar neste projeto. É nesta união de ideias que todos nos fortalecemos juntos. Muito obrigado!

P.s: desta vez, nós da Argos também participamos.

(textos organizados em ordem alfabética)

Camila Henriques

Vida Selvagem (Wildlife, 2018) — Paul Dano

Vida Selvagem (Wildlife, 2018) — Paul Dano

O filme “Vida Selvagem” marca a estreia do ator Paul Dano na direção. Ele leva à tela uma adaptação do livro homônimo de Richard Ford, em um roteiro escrito a quatro mãos com Zoe Kazan. No drama, somos convidados à crise familiar do casal Jerry (Jake Gyllenhaal) e Jeanette (Carey Mulligan).

O pai acaba de ser demitido de um emprego que julgava não estar à sua altura. A mãe vive uma existência completamente estagnada nas expectativas do que era ser mulher e dona de casa nos anos 1960. Os olhos e ouvidos dos espectadores estão no filho dos dois, Joe (Ed Oxenbould), jovem que precisa lidar com a frustração de um pai que não quer mostrar fraqueza como “homem da casa” e com a mãe, com quem tem uma relação protocolar que se transforma totalmente no momento em que ela resolve deixar o status quo.

Vida Selvagem” é um melodrama sobre as histórias que as fotos escondem, sobre os sorrisos que disfarçam desconforto, medo, tristeza, conformismo. Não por acaso, quando o foco está na relação entre Joe e a mãe, o filme cresce. Ao ficar longe do marido, que viaja por conta de um novo trabalho — com o qual ela não concorda — , Jeanette entra em contato com a mulher que nunca pôde ser, já que casou e teve filhos quando era muito jovem. A esposa que, no início do filme, aparece pelos cantos e sempre em posição de subserviência, floresce e vê em uma nova pessoa que cruza o seu caminho a admiração que não consegue sentir pelo marido.

O filme de Paul Dano lembra que nossos pais não são apenas nossos pais. Isso é, inclusive, dito em determinado momento do filme. Porém, no fim das contas, as aparências são o que eternizam as fotos e as mentiras que os personagens contam para si mesmos transbordam em vidas infelizes e nada realizadas.

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Carlos Anselmi (Argos Crítica)

Estamos Todos Aqui (2016) — Chico Santos, Rafael Mellim

Estamos Todos Aqui (2016) — Chico Santos, Rafael Mellim

Como o tema é abrir conversas e trazer diversidade, nada me parece mais indicável que o curta “Estamos Todos Aqui”. Aqui, acompanhamos Rosa (Rosa Luz), uma mulher trans que, ao ser expulsa de casa, busca construir um novo lugar para se estabelecer. Simultaneamente, um projeto de expansão ameaça a vida da comunidade local, e a existência da Favela da Prainha.

É interessante notar as diferentes opressões que o filme apresenta. A mesma casa (construção) que Rosa busca, também pode ser lida como seu local no mundo, que é repetidamente retirado, ameaçado e apagado. E ainda que haja diferentes camadas de violência por questões de gênero e sexualidade, a opressão por classe se apresenta como um mal que atinge a todos, sem distinção de idade, cor, gênero ou orientação. É óbvio que demograficamente, alguns grupos se encontram mais marginalizados que outros e há que se fazer os recortes necessários para compreender a situação como um todo. Mas para o capital, as individualidades não interessam, a única coisa que importa ali é a terra, e o quanto ela pode ser lucrativa.

O tom documental do curta busca uma saída através da perspectiva marxista para o problema colocando os moradores como protagonistas da existência da comunidade como pessoas unidas. Um local não é apenas um pedaço de terra. É sobre a luta de classes brasileira e a representação de parte de um Brasil apagado que busca se estabelecer existindo, lutando, vivendo e sobrevivendo.

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Diego Quaglia

Um Mundo Perfeito (A Perfect World, 1993) — Clint Eastwood

Um Mundo Perfeito (A Perfect World, 1993) — Clint Eastwood

Entre 1992 e 1995, Clint Eastwood se consolidou como um dos melhores cineastas do cinema norte–americano com três obras–primas em sequência: “Os Imperdoáveis” (1992), “Um Mundo Perfeito” (1993) e “As Pontes de Madison” (1995), três filmes impecáveis de jeitos diferentes e fortes de maneiras lindas entre si colocando ele como o maior dos diretores da década.

Um Mundo Perfeito” tem tudo que o cinema do Clint tem de melhor: essa mistura entre uma simplicidade (a história de um fugitivo e o menino que ele sequestra atravessando o interior do Estados Unidos enquanto são perseguidos pela polícia) e a complexidade (uma leitura sobre as marcas do abuso, dos traumas e das descobertas de uma humanização dos lugares mais inesperados como a da relação que vai surgindo entre os dois perseguidos) que não competem entre si e andam juntas, a maestria na encenação melodramática e emocional de se contar uma história, o domínio de ritmo e de tom, do ambiente, a leitura sobre os códigos rurais de um país analisados dentro de uma perspectiva tanto sombria quanto poética e por aí vai, e principalmente a força em tentar buscar entender a contradição que tange o ser humano e as suas obras.

Dentro da brutalidade e da violência, Clint Eastwood faz um cinema humanista e sensível. Um cinema de domínio do coração. Um cinema sempre capaz de entender a força das suas contradições e do seu olhar sempre crítico a tudo que está ao seu redor e a si mesmo.

Assim como faria em “Sobre Meninos e Lobos” em 2003, Clint fala, aqui, de meninos que não são permitidos de crescer. Talvez nem de viver. Aqui nesse caso os lobos não habitam mais uma Boston cinzenta, e sim, vivem em todo o exterior de microuniversos muito próprios que os laços de seus personagens transmitem e se adaptam. Se a superproteção de Philip trancando na sua casa afastado da oportunidade de viver uma infância é uma prisão infeliz, o inferno astral sempre nos ombros de outro solitário, Butch Haynes (um Kevin Costner genial) tem ao carregar as marcas de um abuso que seguem internas, é uma espécie de condenação. Juntos por algum tempo o filme subverte a situação que se desenvolve entre eles porque finalmente a dupla tem a chance de viver, viver com plenitude, ser criança e ser humano, enfrentar alegrias, tristezas, perdas, violências, medos e conseguem ter algum gosto de liberdade — um dos temas centrais defendidos na obra de Eastwood — mesmo que o custo e os demônios que o alcançam sejam muito altos. É a contradição máxima de sentimentos existentes na humanidade onde não existe uma resposta simplesmente e um único olhar (Butch é tanto algoz que coloca em risco todos onde passa como também é uma vítima de uma sociedade injusta com algo muito doce dentro disso, as duas coisas não se anulam, mas são equivalentes, ao mesmo tempo que Clint filma ele mesmo no papel mítico do homem da lei e não exclui a violência da polícia por onde ela passa). É desse turbilhão de emoções que podem se contradizer, mas se encontram e são dominadas pela força da emoção, do olhar e da encenação de Eastwood que o fazem um dos grandes do cinema e “Um Mundo Perfeito” um filme tão inalcançável.

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Gustavo Fernandes

O Grande Lebowski (The Big Lebowski, 1998) — Ethan Coel e Joel Coen.

O Grande Lebowski (The Big Lebowski, 1998) — Ethan Coel e Joel Coen.

Aos 10 anos de idade, lembro de certa vez ter adentrado em uma locadora do meu antigo bairro e avistar uma cópia de “O Grande Lebowski” disposta por entre os títulos de comédia, seção que sempre me atraiu de pronto. Porém, não foi nessa data que pude assistir àquele filme com um pôster tão despretensioso e ao mesmo tempo chamativo. Na verdade não recordo quando o vi pela primeira vez, mas garanto que cada revisitada garante um brilhar dos olhos.

Se eu disser que essa é a história de um desempregado preguiçoso, pacifista, fã de boliche e apreciador do drink White Russian*, que se autodenomina “The Dude” (“O Cara”) e viverá desventuras desencadeadas por urinadas em seu amado tapete de sala devido a uma troca de identidades, talvez obtenha um pouco da sua atenção, ok? Antes fosse apenas isso. O roteiro dos irmãos Coen vai bem além e tende a nos mostrar como as mais simples das situações podem ser banalmente maximizadas.

Se estás procurando uma trama envolvendo sequestro, alemães niilistas e um amigo veterano de guerra com ânimos constantemente alterados, eis uma película que entrega bons risos ao equilibrar muito bem o nonsense com o ácido, apresentando pequenas pitadas psicodélicas. Sem falar no elenco maravilhoso, que apresenta nomes como Jeff Bridges, John Goodman, Steve Buscemi, Julianne Moore, David Huddleston, Philip Seymour Hoffman, Tara Reid, Peter Stormare, John Turturro, Ben Gazzara e Sam Elliott.

Dito isso, deixo o convite para que coloque um roupão, pegue uma bebida, relaxe e não esqueçam: The Dude abides!

  • Coquetel feito com vodca, licor de café e creme de leite, servido com gelo [Parece uma delícia, mas até hoje estou só na vontade].

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Hugo Schnorrenberger

Exilados (Exiled, 2006) — Johnnie To

Exilados (Exiled, 2006) — Johnnie To

Exiled” foi meu filme introdutório ao cinema de Johnnie To e com 5 minutos de filme eu já sabia que eu amaria esse diretor com todas as minhas forças. De modo breve, “Exiled é um filme de gangster, mas é um filme de gangster que é menos preocupado com as armas, os ternos, os crimes e as mortes e mais preocupado com os personagens e o estilo cinematográfico.

A história começa assim: quatro gangsters divididos em 2 pares batem na porta da mulher de um ex gangster. Dois deles foram contratados para defender o ex gangster e os outros dois para matá-lo; os 5 são amigos de infância. Após um breve tiroteio, uma trégua é estabelecida. Durante ela, todos ajudam a reconstruir o que foi quebrado na casa e carregam a mobília, que está no carro do ex gangster, para dentro da casa. Depois disso compartilham um jantar. Se essa premissa te parece interessante, se prepare porque isso acontece apenas nos 10 primeiros minutos de filme.

Em suma, “Exiled” é um filme construído com um carinho genuíno pelos personagens. Carinho esse que é perfeitamente articulado pelos atores de To. A ação é trabalhada nos moldes de Sergio Leone enquanto a ambientação nos moldes dos crime films de Hong Kong. E tudo é orquestrado com perfeição por Johnnie To. Poucos filmes me dão tanta vontade de compartilhar com o mundo quanto esse.

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Larissa Paiva

Gattaca — A Experiência Genética (Gattaca, 1997) — Andrew Niccol

Gattaca — A Experiência Genética (Gattaca, 1997) — Andrew Niccol

Gattaca” nos oferece uma visão única de um mundo futurista que não parece muito distante, onde a perspectiva humana já está determinada no DNA de cada um e consequentemente, o progresso social é pré estabelecido. Apesar da evolução tecnológica e científica, a raça humana ainda está dividida em grupos privilegiados e desprivilegiados geneticamente.

Além das questões morais discutidas que permeiam a desigualdade social e de ética que permeiam a ciência, a arquitetura onde a narrativa decorre é cuidadosamente priorizada para harmonizar cenografia e a visão do diretor sobre essa sociedade distópica. As locações incluem o Marin County Civic Center, de Frank Lloyd Wright e a CLA Building, de Antoine Predock. A arquitetura pretérita sobrevive no futuro como ponte de ligação do presente.

Este amanhã é estampado por Andrew Niccol através de uma estética da primeira metade do século XX combinada com a arquitetura minimalista modernista. A edificação mais relevante é, com certeza, o edifício-sede da empresa onde a trama se dá, projeto de F.L. Wright para o Marin County Civic Center, construído em 1957. O edifício monumental é desenhado racionalmente, espacialmente definido com pureza geométrica. Além de reflexões arquitetônicas, Wright é um nome importante para o urbanismo moderno.

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Marcio Sallem

Shiva Baby (2020) — Emma Seligman

Shiva Baby (2020) — Emma Seligman

Olá amigos,

Minha indicação é para “Shiva Baby”, disponível no Mubi, que basicamente pode ser resumido pela premissa: mulher judia encontra seu sugar daddy no shivá. A partir daí, a mistura de constrangimento e ansiedade servem como combustível para 77 minutos de uma espécie de prisão para a protagonista no caminho para aceitar-se dentro dos padrões estabelecidos por ela próprio, não por sua família e comunidade.

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Victor Hugo Felix

Minha Adorável Lavanderia (My Beautiful Laundrette, 1985) — Stephen Frears

Minha Adorável Lavanderia (My Beautiful Laundrette, 1985) — Stephen Frears

Quando perguntam qual é o meu filme favorito, o primeiro que vem à mente é “Minha Adorável Lavanderia”, ou My Beautiful Laundrette, dirigido por Stephen Frears e lançado em 1985. E não é porque o filme é o suprassumo da excelência cinematográfica. Honestamente, a edição é meio porca e a trama, mesmo tendo concorrido ao Oscar de melhor roteiro, tem lá seus furos. Mas My Beautiful Laundrette consegue imprimir, com muita leveza, um pouco da complexidade do mundo, e isso é o que torna especial.

Ambientado no Reino Unido, o filme traz, de um lado, o jovem Omar (Gordon Warnecke), de origem paquistanesa, filho de um jornalista esquerdista e membro de uma família muito dedicada a enriquecer na base do neoliberalismo de Margareth Thatcher. Do outro lado, Johnny (Daniel Day-Lewis), rapaz de família muito pobre, membro de uma comunidade branca extremamente preconceituosa. Os dois iniciam um discreto relacionamento enquanto o tio de Omar, Nasser (Saeed Jaffrey), os incube de administrar a nova fonte de renda da família: uma lavanderia.

Em geral, filmes com protagonistas LGBTQ+ trazem uma ampla discussão sobre homossexualidade, abordando de forma clara temas como homofobia e repressão sexual. Contudo, em “My Beautiful Laundrette”, os conflitos giram mais em torno do choque entre paquistaneses ricos e brancos pobres. Enquanto os paquistaneses desprezam os brancos por sua condição social, os brancos cometem constantes ataques racistas contra os paquistaneses. E nisso, o casal precisa olhar para dentro de si para verificar se de fato vale a pena manter o envolvimento, sendo eles de origens tão distintas e conflitantes.

A capacidade de enxergar as situações sob um prisma mais amplo, no qual todos os personagens erram e carregam uma parcela de culpa, é o que diferencia My Beautiful Laundrette de outros filmes do gênero. A homossexualidade é citada abertamente, e a homofobia não deixa de estar presente na trama, mas inserida num contexto mais complexo. Para mim, como homossexual, é reconfortante ver personagens homossexuais em tramas que não girem em torno do sofrimento dos protagonistas LGBTQ+, mas que continue trazendo debates socialmente relevantes.

Apesar de haver tanto cenas de sexo quanto de violência, o filme não perde a leveza. Os personagens são carismáticos, com um senso de humor na medida para não perder de vista os questionamentos que a trama busca suscitar. É um filme que eu definitivamente recomendo para quem gosta de ir além do mundo em preto e branco que tem dominado a mídia (principalmente as redes sociais) nos últimos anos.

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Novamente, muito obrigado a todos que participaram.

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