#HC2 — A História do Cinema: O PRIMEIRO CINEMA

Argos Crítica
8 min readJul 19, 2021

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Por: Carlos Anselmi

Poster dos irmãos Lumière

Como abordado no texto anterior, #HC1 — Chegando ao Primeiro Cinema, passamos brevemente pelo histórico das tecnologias cinematográficas até o momento da exibição do curta ‘A Saída dos Operários da Fábrica Lumière’, dos irmãos Lumière, em 1985. Hoje, então, chegamos ao período nomeado como Primeiro Cinema.

Segundo Flávia Cesarino Costa, o chamado “Primeiro Cinema” pode ser dividido em duas partes: primeiramente entre 1894 e 1908 com os desenvolvimentos tecnológicos, com filmes não (exatamente) narrativos, e em seguida, entre 1908 a 1915 com o surgimento das narrativas. E, se antes comentamos o desenvolvimento das tecnologias cinematográficas para chegar até a primeira exibição de cinema paga, hoje falaremos de diferentes técnicas cinematográficas existentes no período inicial do Primeiro Cinema.

Hoje, nossa viagem chegará até 1908. E para o futuro da série, a partir deste ano, começaremos a tratar individualmente dos filmes e seus respectivos movimentos, uma vez que se iniciam os longa metragens e os movimentos cinematográficos de cada país.

Assim como no texto anterior, traremos diversos curtas para que seja possível ler e assistir aos filmes (e por enquanto, a maioria não alcança 1min de duração), podendo ver o desenvolvimento da história do Cinema diante de nossos olhos por meio de diferentes filmes. Está pronto para ver mais de 15 filmes já hoje? Não esqueça de loggar no letterboxd, podendo falar que viu o filme pela gente, por lá.

I. Um pouco antes do Primeiro Cinema

Émile Reynaud já é um nome que conhecemos (por isso reforço: faz sentido acompanhar a série de textos na ordem). O francês foi o inventor do praxinoscópio, um dispositivo que conseguia projetar imagens em movimentos. Este é, então, um cenário ideal para o surgimento de algo tão popular no Cinema de hoje, e que viria a aparecer antes mesmo dos irmãos Lumière: uma das “primeiras” animações.

‘Pauvre Pierrot’, ainda que este não seja um dado definitivo por conta do desenvolvimento “horizontal” das tecnologias, é considerada uma das primeiras animações (que sobreviveu ao tempo) já feitas, em 1891 e distribuída no ano seguinte, sendo apresentada no chamado “Teatro Ótico”. Mas vale pontuar que não exibida como cinema, ainda.

Há obras de animação do próprio Reynaud que vieram antes de ‘Pauvre Pierrot’, como ‘Un Bon Bock’, de 1888, mas este é um filme perdido. Nossa primeira animação da lista, ‘Pauvre Pierrot’, consiste em média de 500 imagens pintadas individualmente, e durava cerca de 15 minutos. O que resta hoje são 5 minutos da obra e pode ser assistido aqui:

Pauvre Pierrot — Émile Reynaud, 1892

II. Primeiro Cinema (1895 e 1896)

Agora, voltando para o Cinema após a exibição de ‘A Saída dos Operários da Fábrica Lumière’, temos algumas pequenas narrativas já introduzidas neste universo. Os curtas de agora funcionam como pequenas sketches, algumas dirigidas e produzidas pelos irmãos Lumière.

Iniciaremos, então, com ‘L’Arroseur arrosé’, que pode ser traduzido como “o regador regado”, e já neste curta de apenas 40 segundos, temos diferentes inovações. Esta foi a primeira vez que houve um pôster de promoção de um filme, que funciona como os cartazes que conhecemos hoje. É, também, a primeira vez que há uma história ficcional.

Se é possível afirmar que o cinema de antes é quase “documental”, uma vez que retrata imagens do cotidiano, como operários saindo do trabalho, aqui já há a união da interpretação teatral com as imagens em movimento para fazer humor. Portanto, pode ser afirmado que esta é a origem da comédia no cinema. O filme mostra um jardineiro fazendo uma brincadeira para molhar o outro, e pode ser assistido em totalidade aqui:

L’Arroseur arrosé — Irmãos Lumière, 1895

Ainda com os irmãos Lumière, temos então, o clássico ‘L’Arrivée d’un Train en Gare à La Ciotat’ ou “a chegada do trem a estação”, um dos curtas mais famosos e emblemáticos dos irmãos Lumière, que foi exibido em dezembro de 1895. Há a lenda de que o filme teria assustado as primeiras pessoas a assistirem a obra e esse é um dos motivos pelo qual a obras seja tão conhecida.

Apesar de ter apenas 50 segundos, aqui temos o primeiro exemplo de diversas técnicas cinematográficas, como a filmagem em perspectiva, essa pode ser considerada a primeira plano-sequência do cinema, a primeira ilusão de perspectiva forçada, e também o uso de medium shots. Assista aqui:

L’Arrivée d’un Train en Gare à La Ciotat — Irmãos Lumière, 1895

Os irmãos Lumière, mais de um século antes do Nolan, em 1896, já brincavam com as imagens invertidas no tempo, e aqui, temos um dos primeiros filmes em reverso: ‘Démolition d’un mur’.

Démolition d’un mur — Irmãos Lumière, 1896

E ainda que os filmes coloridos só cheguem efetivamente no futuro (e falaremos deles mais especificamente lá) ‘Danse serpentine’, é um dos primeiros filmes já distribuídos em cores, onde cada fotografia foi pintada a mão, frame por frame. O filme mostra a pioneira de dança moderna Loie Fuller, também no ano de 1896.

Danse serpentine — Irmãos Lumière, 1896

Em nossa viagem, agora chegamos a Alice Guy-Blaché em 1896. Uma das primeiras pessoas a realmente se interessar por contar histórias com o uso das tecnologias cinematográficas, Alice foi a primeira mulher a dirigir um filme. ‘La Fée Aux Choux’, traduzido como “a fada do repolho” é o primeiro filme a ser dirigido por uma mulher em toda a história do cinema. O legado da diretora, roteirista e produtora não cabe em um texto, há livros e filmes sobre sua história e é possível fazer uma série de estudos apenas para ela, que dirigiu mais de 1000 filmes durante sua vida. O filme pode ser visto aqui:

La Fée Aux Choux — Alice Guy-Blaché, 1896

Ainda que restem apenas poucos segundos de seu primeiro filme, aproximadamente 300 (dos mais de mil) sobreviveram ao tempo, deles, 22 são longa metragens.

Ainda em 1896 temos o primeiro beijo da história do cinema, o curta ‘The Kiss’, de William Heise, cineasta estadunidense nascido na Alemanha.

The Kiss — William Heise, 1896

III. Primeiro Cinema (1897–1900)

Outro nome que não pode ser ignorado é Georges Méliès. Ilusionista e cineasta francês, Méliès foi o pioneiro em diversas técnicas cinematográficas, já utilizadas com função narrativa. O cineasta popularizou técnicas como o stop-motion, exposição múltipla, câmera rápida, dissoluções de imagens, e hoje mostraremos duas como exemplo.

George filmou o que pode ser considerado um dos primeiros filmes eróticos do cinema ‘Après le Bal’ em 1897, ao retratar uma mulher usando roupas de banho (muito diferentes de hoje, obviamente):

Après le Bal — Georges Méilès, 1897

Em 1898, também filmado por Méliès, temos ‘Un Homme de Têtes’, e aqui temos um dos primeiros usos de exposição múltipla, podendo ser considerado uma das primeiras “ficções científicas’’. É importante pontuar como a técnica, aqui, tem função narrativa. O ilusionista usa da ferramenta para simular que tirou sua cabeça do lugar, fazendo mágica por meio da ficção no cinema. Aqui, temos o uso das técnicas de cinema como fundamentais para contar a história imaginada pelos diretores.

Un homme de têtes — Georges Méliès, 1898

Chegando ao ano de 1900, temos então, duas obras para nos auxiliar a contar essa história do cinema. George Albert Smith foi pioneiro em edição cinematográfica, e assim como Méilès, e o uso das técnicas aqui, também tem função narrativa.

Primeiramente com ‘Let Me Dream Again’, temos possivelmente o primeiro uso de focus pulling, onde o homem acorda de um sonho e a edição faz a transição sonho-realidade por meio de crossfade, assim como ainda é muito comum nos dias atuais, principalmente em animações.

Let Me Dream Again — G. A. Smith, 1900

A segunda obra do diretor ‘As Seen Through a Telescope’, é provavelmente a primeira a trabalhar com o “subjective framing” ou câmera subjetiva, onde o que assistimos assume a visão do personagem, que espia o tornozelo de uma mulher (olá, Éric Rohmer).

As Seen Through a Telescope — G. A. Smith, 1900

IV. Primeiro Cinema — Século XX

Chegando agora no século XX, em 1901, temos Frederick S. Armitage, um dos primeiros diretores dos Estados Unidos, com o filme ‘Demolishing and Building Up the Star Theatre’, com um time-lapse de aproximadamente aproximadamente um mês exibido em menos de 2 minutos, o que é considerado uma grande inovação para a época.

Demolishing and Building Up the Star Theatre — Frederick S. Armitage, 1901

No mesmo ano, temos James Williamson, cineasta escocês, com o uso do primeiro close-up do cinema em ‘The Big Swallow’, onde novamente, a técnica tem função narrativa. Aqui, o protagonista simula “engolir” a câmera, e o uso do close-up extremo foi o meio para mostrar essa história.

The Big Swalow — James Williamson, 1901

V. Primeiro Cinema — The Great Train Robery

Em 1903 temos ‘The Great Train Robery’, ou “o grande roubo do trem” em português, dirigido por Edwin S. Porter. Aqui, temos um dos primeiros westerns já feitos, sendo um dos responsáveis por mostrar a viabilidade do cinema como indústria lucrativa.

Este é um dos primeiros filmes com uma narrativa realista do cinema e foi pioneiro em diversos pontos, como: o primeiro a ser filmado em mais de um local, há um início da montagem paralela, e é o primeiro a utilizar dublês (aqui, como bonecos). No curta, várias características do gênero — tão bem sucedido no futuro — já estão presentes, como as perseguições, os assaltos no trem, os tiros que fazem o personagem dançar e o grande tiroteio. Assista aqui e se surpreenda com a criatividade:

The Great Train Robbery — Edwin S. Porter, 1903

Martin Scorsese homenageia ‘The Great Train Robery’ em ‘Goodfellas’ (1990). E isso reforça um ponto sempre discutido aqui: a importância da história do cinema e como entender sua linguagem e referências pode enriquecer a experiência. Assistir ‘Goodfellas’ agora, já tem uma camada a mais, podemos ver a atualização e a referência de um clássico atemporal sendo retratada por outro clássico histórico.

VI. Primeiro Cinema — Longa metragem

Agora em 1906 temos o filme australiano “The Story of the Kelly Gang” de Charles Tait, o filme conta a história de Ned Kelly, um “fora da lei” do século XIX, e continha 70 minutos, mas apenas 17 sobreviveram ao tempo. Este segue até hoje sendo lembrado por muitos como o primeiro longa-metragem da história do cinema. E ainda que não possa ser assistido completamente, o que resta está presenta aqui:

The Story of Kelly Gang — Charles Tait, 1906

VII. Primeiro Cinema — Animação

Chegando agora, finalmente em 1908 temos o que é considerado o primeiro cartoon, ‘Fantasmagorie’, de Émile Cohl. Aqui temos o primeiro filme totalmente animado da história. Um curta metragem de 2 minutos. Já haviam sido feitos os curta metragens de Èmile Reynauld, como discutido anteriormente, porém exibidos em “Teatro Ótico”, portanto, Fantasmagorie é o filme reconhecido como a primeira animação. Assista aqui:

Fantasmagorie — Émile Cohl, 1908

Encerramos nossa jornada dessa etapa do Primeiro Cinema por aqui, porém um filme ficou de fora: ‘Le voyage dans la Lune’ de Georges Méilès, o famoso Viagem à Lua de 1902. Este, por sua vez, terá um texto específico para ele, o próximo da série a ser publicado.

A partir de agora cada texto tratará de apenas um longa metragem em sua maioria. E sempre avisarei o próximo ao final dos textos para que você possa ver antes, como agora, uma vez que não se trata mais de pequenos curtas disponíveis no youtube.

Acompanhe nosso índice com todas as publicações da série História do Cinema ordenadas ao final do texto #HC0, este link te leva direto para lá.

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