Falaremos sobre o quê? Intenções do Argos Crítica.

Argos Crítica
10 min readJan 7, 2021

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Subjetividade e análise crítica.

Por: Carlos Anselmi.

O motivo deste primeiro texto é explicitar o porquê de escolher escrever, como escrevo, e fundamentar o caminho que tomo de base para os textos futuros, uma vez que estes são apenas palavras que, quase que aleatoriamente alinhadas, se unem na esperança de um resultado lógico-mágico. O Argos Crítica é um espaço onde colocamos a mente e o coração para trabalhar em prol de trazer alguma informação, sempre aprendendo mais e compartilhando esse conhecimento, trazendo pontos técnicos e também questões emocionais ao avaliar algo. Então, primeiramente, é importante abrir os caminhos mostrando qual o foco desta página — e do autor que te escreve — ao publicar estes textos e os porquês.

O TEMA (ou: sobre o que queremos falar?)

A escolha primária é simples e não pretendo me alongar nesta parte. Os temas serão melhor apresentados ao passo que as publicações acontecem. Contudo, queremos abrir um espaço de discussão sobre algumas manifestações artísticas, no meu caso particular, com maior foco no cinema, porém também terá muita música por aqui. Vamos analisar e criticar, pensar em contexto histórico, discutir nossas emoções ao consumir alguma obra, tentar entender como algo pode ser interpretado hoje, a importância dentro de um contexto, etc. Com o “o quê” explícito, vem outro ponto fundamental: O COMO.

COMO ESCREVEMOS (ou: afinal, o texto é imparcial ou subjetivo? Técnico ou emocional?)

Depois de deixar claro os assuntos que pretendemos abordar, chegamos ao que considero a parte mais importante do texto de apresentação: o como faremos isso. Sabemos que há leitores que buscam questões técnicas, e outros que buscam saber o que aprendemos com a mensagem passada por uma obra, ou o que sentimos. Então, já inicio esse trecho com uma pergunta que parece polêmica para alguns, mas a resposta parece óbvia (mesmo que eu argumente posteriormente que talvez não exista uma obviedade):

É possível fazer uma análise ou resenha crítica sendo totalmente imparcial e objetivo?

A resposta curta: não. Mas se quiséssemos respostas curtas não estaríamos escrevendo (nem lendo) um texto num espaço como este. Como já mencionado, queremos abrir a discussão e trazer questionamentos para compartilhar e aprender sobre uma obra. Então vamos destrinchar este “não” com alguns argumentos e exemplos.

De início, a forma como olhamos para um filme, ouvimos uma música, comemos algum alimento, enxergamos pessoas, vemos um local e o mundo carregam nossa subjetividade. A imparcialidade total é um mito (e o “total” tem uma função importante aqui). Porém, também carrega uma certa limitação reduzir absolutamente tudo a mera subjetividade. O que sentimos é o que dá beleza ao processo, é o que emociona e nos faz rir ou chorar, e também o que motiva a escrever e continuar consumindo as obras que amamos. Mas se nossa intenção é analisar um objeto, precisamos de um ponto de partida que nos leve a conclusões mais claras, e essa intenção é o que vai definir as diferenças de abordagem nos diferentes textos. E pra isso trago alguns exemplos para o jogo.

Imagine que tenha a sua frente uma mesa com dois pratos. No primeiro, à sua esquerda há um lanche ultraprocessado de alguma rede de fast food acompanhado por um milk shake, e o sabor é muito bom dentro do seu gosto pessoal. Porém, ao notar os macronutrientes a gordura é exageradamente alta e carece de micronutrientes fundamentais. A sua direita, no segundo prato, há arroz e feijão acompanhado de uma pequena variedade de legumes e uma proteína grelhada, todos distribuídos em uma proporção indicada por um nutricionista. Neste cenário a pergunta que faço é: qual é o melhor prato?

Pensando rapidamente, com um olhar mais raso para o problema sugerido, podemos encontrar facilmente dois cenários conflitantes. Há quem possa argumentar que o “melhor” é definitivamente o segundo por questões de saúde, diversidade, nutrientes e até mesmo resultados estéticos pretendidos pela pessoa a longo prazo. Porém, alguém também pode afirmar não gostar de legumes, e amar o sabor do hambúrguer e milk shake escolhidos, e a praticidade que trazem, portanto, o segundo prato é melhor para ela.

Penso que alguns leitores ao lerem o exemplo anterior, e que provavelmente se encontram no espectro extremo da subjetividade, acreditam que este texto seguirá um caminho para reforçar questões técnicas como mais valiosas que o gosto pessoal em uma relação óbvia e problemática’ de “os nutrientes se comparam a técnica, e é mais importante que o gosto pessoal”. Vá com calma! Esse não é o ponto.

A questão que trazemos aqui é que é importante sair do raso, e podemos fazer isso com perguntas mais objetivas: o que é “ser melhor” e como definir isso? Melhor para que? Melhor para quem? Essa resposta pode existir e podemos encontrá-la. Tudo pode ser respondido, desde que bem fundamentado e respeitando o recorte escolhido para defender um ponto que seja mais ou menos lógico.

Afinal então, respondendo a pergunta: qual dos pratos é melhor? Quem respondeu certo?

Os dois. Uma resposta não invalida a outra justamente por contar com a subjetividade e os objetivos pessoais de quem responde. O nosso ponto aqui é que o fundamento por trás da resposta é o que importa e o que tem que existir para que a conversa vá para algum lugar.

Com o mesmo exemplo proposto então, podemos refletir sobre como chegar a tais respostas. Imagine que você é o Christian Bale se preparando para um papel no qual precisa ganhar 30kg de gordura em um curto período, é racional afirmar que talvez o segundo prato seja o melhor dentro desse objetivo. Agora se imagine como alguém com restrições alimentares que gostaria de desenvolver hábitos mais saudáveis para prevenção de alguma enfermidade diretamente relacionada com a relação do indivíduo com o alimento, há de se convir que o segundo prato talvez seja melhor que o primeiro para este objetivo.

Neste cenário ainda, proponho uma terceira reflexão, se coloque no lugar de um atleta de fisiculturismo em reta final de preparação por mais distante que isso possa parecer da sua realidade. Algumas pessoas afirmariam que o segundo prato (o mais nutritivo) seria melhor com toda a certeza do mundo. Porém, se formos mais fundo na questão levantada dentro deste recorte do atleta, o público geral não entende a importância de algumas estratégias que são pensadas justamente por quem é da área, como, por exemplo, o refeed para encher o músculo, onde após muito tempo em uma dieta restritiva alguns atletas provavelmente estarão comendo salgadinho e chocolate nos minutos antes de subir aos palcos. Então o que é “melhor” para este recorte em questão, além de poder variar drasticamente em poucas horas, também é mais facilmente notado por alguém da área (dentro daquele objetivo).

E onde queremos chegar com tudo isso? Afirmo que a resposta certa do que é melhor tem subjetividade e contexto carregados, e isso varia de acordo com o recorte que é escolhido. Porém, do mesmo modo que não existe imparcialidade total, a afirmação “eu gosto mais, portanto isso é melhor” sem um fundamento é reducionista, e em alguns casos, dependendo da abordagem escolhida, infantil.

Este que te escreve então, não quer te convencer nos textos seguintes de que x é (objetivamente) melhor que y, muito longe disso, mas sim propor uma reflexão dentro de um recorte, e neste recorte escolhido (e a escolha deste, por sua vez, também carrega sua subjetividade) buscar guias um pouco mais objetivos, ou algo que seja baseado no que parece ser um “consenso” crítico para embasar os argumentos afim de que a análise seja mais profunda.

Do mesmo modoque a objetividade de um ponto é tratada com cautela aqui, entendendo que certas afirmações só fazem sentido dentro de um recorte, o reducionismo do “isso é só sua opinião” é desprezado pela limitação clara de fundamento. Agora, uma vez que o “como” e nossa lógica de escrita já foram pontuados, falta chegar no porquê.

POR QUÊ? (ou: qual o problema em reduzir?)

Essa é a parte do texto onde (mais uma vez com exemplos) vou tentar explicitar o problema do reducionismo em afirmações não embasadas, no contexto onde essas afirmações são inseridas de modo impositivo ou limitante em uma discussão.

Imagine que no futuro, algum texto nosso afirme algo como: a obra The Starry Night (1889) de Vincent Van Gogh tem grande importância na história da arte, uma vez que o artista é um dos maiores representantes do pós impressionismo, sendo esta uma de suas obras mais icônicas, influenciando milhões de artistas no futuro (ignorem a falta de profundidade na fala anterior apenas para fins didáticos)

Do mesmo modo que na afirmação do texto não é falado que a técnica x é melhor que técnica y e portanto, Van Gogh é objetivamente melhor — até porque grandes obras de todas as manifestações artísticas se fazem gigantes justamente por quebrarem as regras e padrões vigentes, e não seguimos uma cartilha técnica para analisar algo — e apenas pontuamos algo de acordo com a escolha do recorte de analisar a obra através da lente da importância histórica e influência, não há nenhum sentido ou fundamento numa possível resposta “isso é só seu gosto”.

Vejo a afirmação apenas como uma tentativa impositiva de rebaixar o nível da discussão a um patamar que ignora o recorte escolhido, o contexto histórico e a importância/influência dos movimentos por ignorância ou má-fé de quem afirma (às vezes pode uma vontade de ser “o diferente”, mas aí é um trabalho para o terapeuta, não para mim).

O que foi pontuado é a importância histórica, não houve juízo de valor se a pintura é “boa ou ruim” e nem se o autor gosta ou não da obra. Houve um recorte escolhido, que neste exemplo é o de contexto histórico, e é impossível ignorar Van Gogh quando se pretende discutir impressionismo, goste ou não do artista (você ou o autor).

Porém, que fique claro aqui: não coloco juízo de valor entre os diferentes tipos de abordagem, o problema está na tentativa de reducionismo. A conversa informal onde amigos discutem seus gostos e experiências ao consumir algo é quase sempre uma experiência muito boa, e não é melhor ou pior que uma análise, essas conversas geram lembranças que ficam guardadas após uma reunião (quando se reunir ainda era comum). Às vezes o lugar que fomos se perde, esquecemos do que comemos ou o mês em que foi a reunião, mas as conversas e risadas ficam. Mas também conversas como estas que tentamos propor, onde o objetivo é uma análise mais aprofundada, não imparcial, mas com olhar mais técnico (por mais que estes conceitos sejam frequentemente confundidos) para que a sua experiência seja mais enriquecedora, têm seu valor.

Por isso afirmo mais uma e provavelmente última vez nesse texto. A imparcialidade total é um mito, o gosto pessoal é importante e enriquece qualquer experiência, porém, aprender e compartilhar a partir de análises fundamentadas também tem seu lugar de valor e não deve ser reduzido à uma subjetividade extrema que é tão falaciosa quanto a imparcialidade total. A arte não é apenas um produto para agradar um consumidor (ou ao menos espera-se que não seja).

Chegando mais perto do final, gostaria de deixar claro agora a motivação, e o que pretendemos trazer com os textos, tanto para você quanto para nós.

NOSSA MOTIVAÇÃO (ou: o que sentimos e agora queremos transmitir)

Para mostrar a inspiração por trás da arte da escrita, como este parece ser um texto de exemplos, trago mais um, e talvez o último. Porém, dessa vez, um mais pessoal na esperança de gerar alguma identificação. Alguns dias atrás, estava assistindo ao filme First Cow (2019), era tarde, estava um pouco cansado e já havia assistido a alguns filmes antes desse. Ao terminar a experiência, achei o filme bonito, sensível e delicado, mas, com alguma lentidão que não foi muito satisfatória para o meu gosto pessoal naquele dia específico. Ao terminar, como de costume pensei em marcar o filme no aplicativo que uso para me organizar, escrever alguns pontos para não me esquecer deles no futuro e conversar com as pessoas que assistiram comigo. Num pensamento rápido com o costume de avaliar os filmes, pensando apenas na minha subjetividade e no que senti naquele dia (que já era influenciado pelo meu estado de cansaço e outros fatores) o filme não ganharia uma revisão tão boa. Porém, ao ler mais a respeito do filme, fui apresentado à intenção da diretora, e que a primeiro momento passou despercebido por mim. O filme é uma subversão do gênero western (talvez faça um texto apenas para ele no futuro), se nos filmes mais antigos o homem é uma figura destemida, arrogante e poderosa, aqui a diretora Kelly Reichardt traz para a tela um protagonista delicado e frágil. Se o western mostrava cidades apenas com homens brancos em uma rivalidade por ego e dinheiro, aqui vemos amizade entre diferentes culturas e a luta por sobrevivência simbolizada no ato de cozinhar. Se antes tínhamos um ritmo frenético, aqui temos a lentidão do cotidiano.

Onde quero chegar com isso? Que há tipos de textos que servem para ampliar nossa visão de algo. Podemos concordar ou não com a conclusão pretendida e talvez o que sentimos não mude, e mesmo assim não queiramos rever o filme agora com outra perspectiva, mas agora há uma camada a mais que deixa a experiência mais rica. O papel do autor é auxiliar no entendimento de algo que às vezes não é percebido a primeiro momento, por qualquer motivo que seja. Por isso também não avaliaremos os filmes ou álbuns com notas, queremos propor uma discussão aprofundada sobre as obras, e saber que nossa percepção pode mudar quanto mais aprendemos sobre algo.

Sabe a sensação de ouvir uma música por anos apenas por gostar da melodia e só muito tempo depois buscar a tradução da letra e ter um sentimento de “nossa, então era sobre isso?” e a partir deste dia a música ter ganhado um espaço a mais em você? Essa é a nossa pretensão, aprofundar o conhecimento, tanto o seu quanto o nosso.

E agora que você já conhece o que queremos falar, como, o porquê e para que, seja bem-vinda / bem-vindo. Conversaremos mais por aqui, seja através de um texto onde expomos mais a emoção, seja com pontos mais informativos e teóricos, com coisas que você já sabe ou pode vir a aprender. Espero que gostem e se divirtam no processo tanto quanto a gente.

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Argos Crítica

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