Este é um texto sobre Velozes e Furiosos, ou quase isso.

Argos Crítica
5 min readFeb 1, 2021

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Por: Carlos Anselmi

Nas redes sociais vemos, atualmente, a popularização do debate sobre quase todos os assuntos, tanto os mais complexos e urgentes quanto os que poderiam ser mais descontraídos. Há grupos em redes sociais, páginas e blogs compostos tanto por profissionais quanto por amadores em qualquer assunto. E algo que podemos notar neste cenário é o surgimento de um grupo que, ao notar a facilidade em expor sua opinião e ser ouvido, procura impor um padrão que assumiu ser o certo, mesmo que comumente não seja, para validar ou invalidar outros discursos.

Antes de aprofundar mais sobre esta questão, admito que entendo e compartilho da vontade de procurar filmes importantes para a história do cinema, valorizar as obras pensando no contexto histórico, estudar academicamente alguma arte e principalmente reconhecer linguagens inovadoras que fundamentaram o caminho do que conhecemos hoje. Mas porque isso não pode estar acompanhado de aproveitar a experiência? Quando falamos em cinema ou música, quem nunca notou uma certa soberba ao ouvir um “você gosta mesmo disso?” ou “isso não é cultura” de alguém?

Ao nos propormos a estudar, escrever ou analisar algo, podemos utilizar de diferentes abordagens: falar sobre nossa experiência particular e nossos gostos; nos afastar do objeto para fazer uma análise sobre alguma técnica; fazer comparações; observar o contexto histórico ou a vida de quem participou da produção, ou a junção de uma ou várias delas. Porém, é notável que existe a busca por validação em algumas partes simplesmente por apoiar ou reduzir um ponto. Às vezes, o que foi escrito ou sentido por quem quer compartilhar sua visão é ignorado e o que importa é apenas o “quantas estrelas ele(a) deu para esse filme” onde essa simples resposta numérica já é o suficiente para invalidar ou validar o que for discutido depois, e que muitas vezes nem é lido.

O contrário também é muito comum e problemático, que consiste em desmerecer alguma obra com o intuito de se afastar do rótulo de “cult” ou chato, e parece apenas uma tentativa de invalidar as diferentes abordagens um pouco menos subjetivas (para mais profundidade aqui, leia nosso primeiro texto). E qual a necessidade de se afastar ou aproximar de rótulos? Que diferença isso faz? Não precisamos ignorar algo popular por estudar outro mais profundamente e nem desmerecer algo histórico para buscar um selo de descompromissado.

E tendo em vista que num futuro não tão distante estes textos estarão cada vez mais relacionados com história do Cinema (este, com “c” maiúsculo mesmo), e provavelmente se tornem algo como uma série de textos em ordem cronológica passando de filme em filme por diferentes movimentos (spoiler do meu futuro na página), acho válido trazer hoje, uma obra que se enquadra no que às vezes é erroniamente usado para invalidar a palavra de alguém que goste dela.

Por isso, afirmo: eu gosto de Velozes e Furiosos. E gosto muito. Isso não significa que eu considere o filme o melhor do mundo, o mais inovador ou até mesmo uma obra incrível, mas foi incrível quando assisti pela primeira vez.

Em 2001, o primeiro filme da franquia foi lançado. Lembro do meu pai e meus tios, todos apaixonados por carros, falando sobre o lançamento no cinema e indo até o shopping para ver uma paixão que eles já tinham no mundo sendo representada na tela. Lembro de ter assistido e ficado empolgado com o que vi, de sair na rua depois e ficar procurando algum Honda Civic preto pela janela do carro, ou alguma luz neon verde no assoalho de outro. A maioria dos meus familiares não se interessa por cinema, mas a maioria se interessa por carros, e ao longo dos anos os lançamentos da franquia (até um certo ponto) serviram como um algo em comum que todos amavam falar sobre.

Cena do filme Fast and Furious (Velozes e Furiosos) de 2001

Velozes e Furiosos pode não ser um filme que colocaria em uma lista para estudar cinema, que reassistindo eu ache alguma atuação ou técnica memorável, ou que eu considere um marco na história do cinema. Não é nenhuma revolução artística, e tá tudo bem. Mas está definitivamente na história de muitas pessoas afetivamente e isso não é vergonha, menos valioso, ou o famoso “guilty pleasure”. Não há vergonha em gostar ou ver valor em algum filme que dizem não ser “tudo isso”.

Eu costumo afirmar que arte não é necessariamente um produto feito para te agradar, e que não é só sobre isso. Mas às vezes tudo o que precisamos é de algo leve que nos agrade, e em determinado momento da minha vida este algo estava nesse filme. Quando mais novo, muito antes da era do streaming, eu gostava de colocar algo para assistir antes de dormir, e por alguns anos Velozes e Furiosos foi o filme que eu tinha em casa porque meu pai havia comprado. Principalmente os dois primeiros filmes da franquia carregam um valor afetivo muito grande para mim, e mesmo que os novos lançamentos me desagradem cada vez mais, (e que eu reconheça várias falhas inclusive nos meus favoritos) sempre que há o anúncio de mais um filme em produção, algo relacionado a uma expectativa nostalgica sempre reacende. É um tipo de filme que eu sei que vou ter com quem falar sobre, mesmo com quem não assiste a filmes quase nunca.

Talvez em 2001 este seria um filme que eu consideraria “5 estrelas”, talvez se assistisse hoje, sem carregar essas memórias, não tivesse metade disso. Mas aqui não é um espaço que vamos avaliar filmes dessa maneira. O que importa é como vamos falar da experiência. Dessa vez foi muito mais subjetivo, no texto passado mais analítico, e um não invalida o outro. Não sei menos por amar um filme que hoje não considero uma obra-prima, e muito menos vou ser a pessoa que desmerece alguma obra-prima que necessita de um pouco mais de esforço por conseguir perceber valor em experiências diferentes como essa que contei.

O texto de hoje teve um pouco da minha história, nos próximos talvez da história do cinema, e em ambos um filme que vai conversar conosco de jeitos diferentes. E assim como nos filmes, que as diferentes abordagens de escrita nos ensinem algo.

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