Cléo das 5 às 7, o presente do agora.

Argos Crítica
5 min readFeb 15, 2021

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Por: Carlos Anselmi.

Florence ‘Cléo Victoire’ (Corinne Marchand)

Cléo das 5 às 7 (1962) é um dos principais filmes de Agès Varda, seu sucesso foi importantíssimo para impulsionar a carreira da diretora e para o movimento Nouvelle Vague, a Nova Onda francesa. Aqui, analisaremos o filme pensando em aspectos relacionados ao medo do futuro e os impactos (e alívios) no presente.

O filme nos apresenta a vida da cantora Cléo (Corinne Marchand) esperando o resultado de um exame médico entre as 17h e 19h, e mesmo que a premissa nos introduza a uma situação que parece ser de angústia, a narrativa nos leva ao sentido oposto, tratando do assunto não apenas com leveza, mas focando exatamente no inverso do problema. O próprio título deixa claro, este é um filme sobre o presente, sobre o que é vivido no durante.

Se o longa quer nos mostrar Cléo esperando a resposta do exame, no texto e para nós o resultado não é o que é mais esperado ou focado, mas sim o que acontece durante essa espera. A consulta já havia sido feita, e a partir deste momento nenhuma ação da protagonista poderia influenciar qualquer diagnóstico. O foco então passa a ser em como nossas angústias e preocupações nos influenciam, mesmo que o foco de Cléo esteja voltado para o resultado. Aqui, aprendemos muito mais sobre uma questão nossa com o futuro do que sobre o que este mesmo futuro realmente será, ou seria.

“You seem to be waiting for something, rather than someone.”

Em certo momento do filme, Cléo é confrontada com a afirmação “você parece estar esperando por algo, não por alguém.” Aqui, através da provocação de outro personagem é explicitado mais claramente a angústia da protagonista que deixa transparecer o que se passa dentro de sua cabeça. Neste momento é dito para Cléo — e para nós — o que já sabemos, porém, há diversos detalhes que mostram este mesmo ponto de maneiras diferentes.

Já na cena de abertura, através do olhar de Cléo, podemos notar a diferença entre o que acreditamos (ou queremos acreditar) e o que realmente acontece. Ao visitar uma cartomante o filme mostra sinais que podem ser interpretados diferentemente, não há ciência ou exatidão nisso. Neste primeiro momento, o filme é colorido, e isso é feito para retratar justamente a fantasia que aquele momento é e representa. Estes sinais sobre o futuro são lidos sobre e para Cléo de modo que sua mente, agora, está focada no que pode acontecer a partir de imagens que podem significar uma gama muito abrangente de coisas.

Acontece que a interpretação destes símbolos, portanto, é reforçada e ressignificada de modo que a protagonista se torna refém da espera de algo. A preocupação que a atriz já carrega é acentuada pela sua leitura do que os símbolos poderiam representar, e este viés de confirmação, já no início, nos mostra que Cléo está vivendo pelo futuro. Este medo acentuado do que há de vir, seja popular ou até mesmo clinicamente, faz parte da definição de ansiedade, e é justamente durante este período que somos forçados a perceber, no filme, o alívio que pode ser encontrado no presente.

Cena de abertura de Cléo das 5 às 7 (1962)

Logo em seguida, o filme se torna monocromático, e o preto e branco agora representam a vida de Cléo, mesmo que influenciada por seus medos, e estes, tanto vindo de alguma fantasia quanto de preocupações com problemas concretos. O que vemos agora é o que a protagonista vive neste tempo de ansiedade, e outros signos são apresentados para complementar a obra, estes, por sua vez, enriquecendo o significado do tema já explícito.

“As long as I’m beautiful, I’m alive”.

Um símbolo que é frequente usado durante o filme são os espelhos, retratando a imagem que Cléo tem dela mesmo e a importância dada para isso. Além dos problemas enfrentados por ser uma mulher naquela época, há também como discutido, os que são carregados e adicionados vindo através de outras questões. Cléo vê em si mesma tanto as inseguranças que carrega, quanto o valor que dá para si própria. E, ao mesmo tempo que estes reflexos mostram sua ansiedade ao olhar para dentro de si, por outro lado, o filme mostra como os problemas são esquecidos, ou ao menos postos em perspectiva quando conseguimos desfrutar de momentos bons da vida onde a dor e a ansiedade do futuro não fazem parte do contexto naquele instante, justamente quando estamos olhando para fora.

Cléo e seus diversos reflexos no espelho

Cléo conversa com amigas, vai ao parque, aprecia arte, vai ao cinema, e conhece Antoine. O filme deixa claro nestes momentos que ao esquecer de um problema futuro que não pode ser mudado, é possível encontrar paz. Isso pode parecer, superficialmente, uma ideia de fuga, porém essa evitação (que é algo que aumenta naturalmente a ansiedade) não é o que acontece. O filme não nos apresenta Cléo fugindo da resposta do exame, mas momentos que podem coexistir independentemente deste destino.

Não é que fazendo o que ama e descobrindo novos amores em outros lugares, a atenção de Cléo é desviada para outra coisa além de sua preocupação, o correto é afirmar que estes amores têm a atenção que necessitam no momento em que estão acontecendo. O foco no exame deve estar ao abrir o resultado e não durante outros momentos que não interferem mais no problema.

Por mais que em muitos casos seja difícil nos concentrar no presente, e viver o que temos pode parecer um desafio em meio a tantas preocupações, Agnès Varda nos apresenta, de maneira otimista, que podemos carregar para o futuro não apenas nossos medos, mas nossos novos amores, felicidades e a esperança de viver os futuros presentes. Aqui, fica claro o que não podemos deixar passar: os momentos onde estamos vivendo e sentindo o agora.

Antoine: I’m sorry I’m leaving. I’d like to be with you.

Cléo: You are. I think my fear is gone. I think I’m happy.

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